quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

. Análise fenomenológica do conhecimento


Em termos gerais, e independentemente do tipo de conhecimento de que estivermos a falar, conhecer significa captar, organizar e compreender os dados com que somos confrontados. Sejam esses dados realidades empíricas, isto é, materiais e concretas, como a cadeira em que estás agora sentado, ou mentais e intelectuais, como as equações que aprendes em Matemática e o sentido das frases que compõem este texto. Ao primeiro impacto com esses dados, isto é, a sua constatação que resulta da atração que exercem sobre nós, podemos chamar perceção. Como quando nos damos conta, por exemplo, que o quadro é branco. Quando organizamos esses dados de modo a compreender a sua utilidade, por exemplo, ou quando os relacionamos com outros dados de modo a situá-los e a estabelecer afinidades com outros dados - o quadro faz parte da sala de aula onde também há um computador... - dizemos que fazemos uma representação. Isto é, libertamo-nos da força do primeiro contacto e falamos deles sem estar necessariamente na sua presença, como quando imaginas, por exemplo, uma sala diferente daquela em que as nossas aulas decorrem.
Àquele que perceciona e representa atribui-se o nome de sujeito do conhecimento, ou sujeito epistémico - repara que episteme era o nome que os gregos atribuiam ao conhecimento científico -. Aos dados percecionados e representados atribui-se o nome de objeto. Daí que o conhecimento seja visto como uma relação entre um sujeito, que conhece, e um objeto, que é conhecido. Na verdade, trata-se de uma correlação, uma vez que não faz sentido falar de um sem o outro. Independentes, uma vez que o objeto está fora do sujeito, isto é, é-lhe transcendente, mas em estreita relação, sem o que não há conhecimento. Dito de outro modo, o conhecimento é o resultado da apreensão que o sujeito faz, saindo de si mesmo, de um objeto que lhe é à partida exterior, e assim continua, mas do qual acaba por criar uma imagem. Se a imagem criada é, ou não, fidedigna, isto é, se representa o objeto no seu estado puro, é uma questão que trabalharemos mais tarde: será possível conhecer objetivamente o real?
Sejam quais forem as respostas que viermos a encontrar para a questão que deixamos em aberto, não há dúvida que o conhecimento é um fenómeno que se dá na consciência. Foi isto que disse Edmund Husserl, um filósofo checo cuja fotografia podes ver em cima: o conhecimento é um fenómeno que aparece à consciência e que por isso devemos tentar descrever. À disciplina que descreve os fenómenos que aparecem à consciência, onde o conhecimento se inclui, deu-se o nome de Fenomenologia. Daí que aquilo que acabas de ler tenha o título de "descrição fenomenológica do conhecimento". Para uma descrição diferente, sugiro que leias o texto das páginas 125 e 126 do teu manual. Boa leitura!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

. Tipos de conhecimento


Antes de nos debruçarmos sobre o tipo de conhecimento a que se dedicam os filósofos, o nosso próximo tema, convém distingui-lo de outros tipos de saber.
O primeiro tipo de saber de que podemos falar é um saber prático, uma atividade que não implica grande reflexão. Confunde-se, por isso, com o saber fazer, o know how como dizem os ingleses e nós às vezes por empréstimo, o savoir faire dos franceses. Trata-se, portanto, da aplicação ou uso de uma técnica. É o saber que me permite andar de bicicleta, conduzir um carro ou nadar. É verdade que sempre posso melhorar a técnica e isso poderá exigir alguma reflexão, mas não aprendo a nadar duas vezes. Uma vez aprendida, limito-me a aplicar a técnica que domino.
O segundo tipo de saber é aquilo a que se chama conhecimento por contacto, direto ou indireto. É um conhecimento àcerca de pessoas ou lugares, de objetos concretos. O conhecimento que me permite afirmar, por exemplo,  "Katmandu é a capital do Nepal". Um conhecimeto que também não exige reflexão, portanto, uma vez que o adquiri por familiaridade. Por ter ido ao Nepal, por ter lido a informação num qualquer livro, por ter lido esta publicação... Ou seja, um saber constatativo e  cumulativo, que é tão maior quanto a minha experiência.
Por último, temos o conhecimento proposicional, isto é, o saber que, e é deste que se acupam os filósofos. Trata-se de um conhecimento cujo objeto são proposições, isto é, afirmações  que fazemos àcerca da realidade e cujo valor de verdade podemos sempre testar. O conhecimento em causa, por exemplo, quando afirmamos "o João sabe que Buenos Aires é a capital da Argentina". O que é diferente de dizer "Buenos Aires é a capital da Argentina". No primeiro caso, o que o João sabe é que a proposição expressa pela frase que vem a seguir à palavra "que" é verdadeira. As condições de verdade das proposições, isto é, em que circunstâncias podemos afirmar que as nossas afirmações são verdadeiras, o tipo de afirmações que fazemos, assim como a proveniência do conhecimento por detrás dessas afirmações - as fontes do conhecimento -, são algumas das questões que preocupam os filósofos que se dedicam a este domínio. 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

. Argumentação e demonstração: descobre as diferenças


 Chegados a este ponto, em que já sabemos o que significa argumentar e as técnicas disponíveis para quem recorre a esse registo discursivo, convém recuar e rever as diferenças entre a argumentação e a demonstração.
Como te recordarás a propósito do estudo da lógica, a demonstração, ao contrário da argumentação que acabas de estudar, consiste num "cálculo" impessoal/formal cuja validade não depende da sua aceitação por parte de um auditório. A sua força deriva do facto de ser bem estruturada, isto é, de respeitar as regras do raciocínio lógico, além de que visa verdades universais, isto é, independentes do espaço e do tempo, conheçamo-las ou não. Como as verdades da matemática: A=A independentemente daquilo que A representa e de acreditarmos nisso ou não. Mesmo que não saibamos Matemática ou cometamos erros de cálculo.
A argumentação, por sua vez, é circunstancial e contextualizada, uma vez que não lida com verdades autoevidentes, como as da Matemática. Daí que não possa ser confundida com um cálculo, mas com uma estratégia. Uma estratégia que consiste em arranjar uma série de boas razões para convencer quem nos ouve daquilo que defendemos. Estratégia essa que variará em função do espaço, do tempo e das pessoas a quem nos dirigimos, o auditório. Para auditórios diferentes, estratégias diferentes, exatamente porque aquilo que estamos a defender não é universal, mas relativo, isto é, que pode ser visto de maneiras distintas. Defender o recurso às armas perante uma assembleia de budistas, por exemplo, é muito diferente de fazê-lo durante um encontro de excombatentes.
Para uma visão esquemática das diferenças que sucintamente acabo de estabelecer, consulta o quadro da página 65 do teu manual e o que se segue também:

Demonstração
Argumentação

. Cálculo impessoal, utiliza um raciocínio formal, independente do conteúdo

. Estrutura lógica independente de qualquer sujeito/orador

. Diz respeito à verdade de uma conclusão obtida a partir das premissas com que se relaciona

. Supõe apresentação de provas impessoais


. Utiliza uma linguagem artificial/ formal não equívoca (ex. Matemática)


. Visa uma verdade universal e necessária

. Pessoal e supõe sempre um auditório disposto a escutar/discutir os argumentos

. É essencialmente diálogo/discussão


. É uma arte que consiste no domínio de técnicas que permitem persuadir/seduzir o auditório

. Visa exercer poder sobre o auditório através do discurso racional/emocional

. Utiliza uma linguagem natural (ex. Português), tirando partido de palavras e expressões equívocas

. Coloca-nos no domínio do verosímil – o que pode ser verdadeiro – ou do preferível – o que é, provavelmente, o melhor
     (in Pensar Azul, Texto Editores, pg. 91)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

. Manipulação: 10 técnicas por Noam Chomsky


. Persuasão e manipulação


O objetivo principal do discurso argumentativo é passar uma mensagem e, em última análise, fazer com que o auditório - aqueles a quem a mensagem se destinam - adira a essa mesma mensagem. Numa palavra, persuadir.
Persuadir, do latim persuadere, significa convencer, levar alguém a aceitar as nossas ideias. Há, no entanto, duas formas de o fazer. De um modo legítimo, isto é, quando desenvolvemos bons argumentos e promovemos o debate. E de um modo ilegítimo, quando tentamos impôr as nossas opiniões recorrendo a estratégias menos honestas. No primeiro caso, falamos em persuasão racional. No segundo, de persuasão irracional ou manipulação.
A persuasão racional, tal como a palavra indica, consiste numa sucessão de razões que tornam o nosso discurso convincente. Isto é, a força do que dizemos deriva do facto de o fazermos de modo organizado, com o auxílio de bons argumentos. O nosso interlocutor, ou auditório, é persuadido porque compreende que se trata de um bom discurso, claro e sem falácias. Um discurso, portanto, dirigido à inteligência, que promove o debate e contribui para esclarecer a verdade das coisas.
Quando, por sua vez, desenvolvemos um discurso que não respeita a autonomia do nosso interlocutor e em vez de nos concentrarmos no logos, no encadeamento de boas razões, nos concentramos no pathos, tentando explorar as suas paixões, dizemos que estamos perante um discurso manipulador. Um discurso, ao contrário do primeiro, que não respeita a inteligência daquele que pretende convencer, podendo mesmo ser confundido com uma imposição, ainda que disfarçada. Dito de outro modo: em vez de promover o debate e levar o interlocutor a aceitar por si próprio aquilo que está ser defendido, o discurso dirige-se à sua dimensão irracional, as paixões - o pathos -, impedindo-o de pensar. Tal como acontece quase sempre na publicidade e na propaganda, ambas empenhadas em adormecer o pensamento crítico, seduzindo em vez de convencer, explorando as fraquezas das pessoas.
Convencido em relação à necessidade de estudar Filosofia? Pois é... sem ela jamais desenvolverás o teu espírito crítico. E sem espírito crítico não há muito a fazer, serás sempre uma presa fácil nas garras daqueles que manipulam - os publicitários, os propagandistas, os maus políticos, os fazedores de opinião... -. Jamais pensarás de forma autónoma, sem preconceitos, limitarte-ás a reproduzir o pensamento dos outros sem que possas avaliar a sua consistência. Ainda não estás convencido? Então lê o texto que se segue, da autoria de Hitler, um dos maiores genocidas da história e sem dúvida um mestre na arte da manipulação:
Toda a propaganda deve ser popular e o seu nível intelectual tem de ser ajustado à mais limitada inteligência de entre aqueles a quem é dirigida. (...) Quanto mais modesta for a sua bagagem intelectual..., mais eficiente será.


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

. Grandes ideias que mudaram o mundo: Democracia


. Filosofia, retórica e democracia


A Filosofia surgiu no séc. VI a.c. quando os gregos se aperceberam da multiciplicidade de explicações mitológicas, às vezes em desacordo, àcerca das mesmas questões - a origem do universo, a constituição do mesmo, a sua finalidade...-. Ou seja, quando surgiu a seguinte questão: como é que podem existir respostas tão distintas àcerca de questões universais? A solução, pensavam eles, passava por encontrar outro tipo de resposta. Uma resposta assente numa faculdade igualmente universal - a razão - e não nas culturas tão distintas que então por ali se cruzavam em virtude das trocas comerciais. Quer isto dizer, ao contrário do que alguns sugerem com a expressão milagre grego, que a Filosofia nem surgiu do nada nem de repente. Mas de uma série de condições - económicas, culturais, políticas...- que tornaram a Grécia Antiga o lugar ideal para que os mitos, pouco a pouco e a respeito das questões não religiosas, cedessem lugar às explicações lógicas, isto é, assentes no discurso, no logos.
Uma dessas condições, talvez a mais importante, foi o surgimento da democracia. Tal como o nome indica - demo significa povo, cracia significa poder -, a administração do poder estava nas mãos dos cidadãos. Claro que a noção de cidadão da altura não coincide com a noção de hoje em dia: mulheres, escravos e estrangeiros estavam excluídos de qualquer participação. Ainda assim, tal como ainda acontece hoje, o poder era discutido nas assembleias, onde os cidadãos livres defendiam os seus pontos de vista e tomava decisões com reflexo na vida de todos. Um contexto, portanto, que favorece a reflexão e a discussão de ideias. Numa palavra, a Filosofia.
A verdade, porém, é que os cidadãos não estavam preparados para semelhante tarefa. A reflexão e o poder da palavra não eram o seu forte. Tinham ideias, pois claro, mas não dominavam a técnica necessária para defendê-las de modo a convencer quem os ouvia a adoptá-las. E é aí que surgem os sofistas - sophos, sábios -, mestres no uso da palavra e na construção de argumentos convincentes, o mesmo é dizer mestres em retórica. Estes profissionais, embora criticados pelos filósofos - philosophos, amigos do saber -, foram muito úteis à consolidação da democracia, preparando os jovens para discursar perante uma assembleia em defesa de qualquer ideia. São, por isso, os precursores dos políticos tal como os conhecemos hoje, desenvolvendo discursos em função da ocasião e dos resultados que pretendem obter, mais preocupados com a eficácia - obtenção de resultados com o mínimo de recursos no menor tempo possível - de que com a coerência e consistência. Numa palavra, com a verdade.
Aquilo que levava os filósofos a criticar os sofistas, além de se fazerem pagar pelo seu trabalho, era precisamente esta dependência dos resultados. Isto é, o que interessava aos sofistas não era a busca do saber desinteressado, a verdade para lá das situações particulares, o mundo inteligível como lhe chamou Platão, mas a construção de opiniões fortes que se impusessem como as melhores perante os problemas que interessaria solucionar. Daí que os sofistas fossem considerados relativistas, isto é, capazes de argumentar em sentidos distintos, às vezes contraditórios, consoante aquilo que era preciso defender: hoje isto e assim, amanhã aquilo e de outro modo, logo que fossem convincentes e permitessem obter os resultados desejados. Platão, por sua vez, o maior crítico dos sofistas, logo da retórica, preferia falar em dialética: arte de discutir que permitiria abandonar progressivamente o mundo sensível, que varia como as opiniões, até alcançar o mundo das ideias, universais e imunes à mudança.
Hoje em dia, sobretudo a partir de meados do séc. xx e graças a Chaim Perelman, que introduziu a expressão Nova Retórica, a retórica deixou de ser vista de modo pejorativo. Continua a ser sinónimo de eloquência, tal como no início, mas é sobretudo sinónimo de boa argumentação. A relativização das explicações científicas, isto é, a crise do conceito clássico de racionalidade, o aperfeiçoamento da democracia e o reconhecimento da igualdade entre todos os cidadãos, assim como o surgimento e consolidação do poder exercido pelos meios de comunicação, que "vigiam" as instituições, também contribuiram para a reabilitação da retórica.
Para aprofundar os conhecimentos àcerca do eixo Filosofia-Retórica-Democracia deves ler o teu manual e colocar todas as dúvidas nas aulas sobre o tema, onde ainda teremos oportunidade de falar mais detalhadamente sobre alguns sofistas e da conceção platónica do saber. Para já deixo-te o texto que se segue, lê-o e relaciona-o com o que acabas de aprender:

É numa sociedade democrática e pacífica que são maiores as probabilidades de se assistir ao desenvolvimento de um grande interesse pela argumentação. (...) A argumentação não decorre de uma verdade imposta, mas de uma convicção a estabelecer. Aliás, é mais uma questão de consenso do que certeza. Do mesmo modo, a argumentação não pode exercer-se num sistema ditatorial ou totalitário; de resto, ela só faz plenamente sentido numa sociedade igualitária ou, pelo menos, pluralista, em que as decisões são tomadas coletivamente. De igual modo, a argumentação exige a renúncia à força, à violência, ao confronto bélico. É certo que só há argumentação quando há desacordo, mas ela impõe uma resolução do desentendimento por meio da discussão, do debate discursivo, em vez do confronto bélico. (P. Breton, G. Gautier)