Chegados a este ponto, em que já sabemos o que significa argumentar e as técnicas disponíveis para quem recorre a esse registo discursivo, convém recuar e rever as diferenças entre a argumentação e a demonstração.
Como te recordarás a propósito do estudo da lógica, a demonstração, ao contrário da argumentação que acabas de estudar, consiste num "cálculo" impessoal/formal cuja validade não depende da sua aceitação por parte de um auditório. A sua força deriva do facto de ser bem estruturada, isto é, de respeitar as regras do raciocínio lógico, além de que visa verdades universais, isto é, independentes do espaço e do tempo, conheçamo-las ou não. Como as verdades da matemática: A=A independentemente daquilo que A representa e de acreditarmos nisso ou não. Mesmo que não saibamos Matemática ou cometamos erros de cálculo.
A argumentação, por sua vez, é circunstancial e contextualizada, uma vez que não lida com verdades autoevidentes, como as da Matemática. Daí que não possa ser confundida com um cálculo, mas com uma estratégia. Uma estratégia que consiste em arranjar uma série de boas razões para convencer quem nos ouve daquilo que defendemos. Estratégia essa que variará em função do espaço, do tempo e das pessoas a quem nos dirigimos, o auditório. Para auditórios diferentes, estratégias diferentes, exatamente porque aquilo que estamos a defender não é universal, mas relativo, isto é, que pode ser visto de maneiras distintas. Defender o recurso às armas perante uma assembleia de budistas, por exemplo, é muito diferente de fazê-lo durante um encontro de excombatentes.
Para uma visão esquemática das diferenças que sucintamente acabo de estabelecer, consulta o quadro da página 65 do teu manual e o que se segue também:
Demonstração
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Argumentação
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. Cálculo impessoal, utiliza um raciocínio formal, independente do conteúdo
. Estrutura lógica independente de qualquer sujeito/orador
. Diz respeito à verdade de uma conclusão obtida a partir das premissas com que se relaciona
. Supõe apresentação de provas impessoais
. Utiliza uma linguagem artificial/ formal não equívoca (ex. Matemática)
. Visa uma verdade universal e necessária
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. Pessoal e supõe sempre um auditório disposto a escutar/discutir os argumentos
. É essencialmente diálogo/discussão
. É uma arte que consiste no domínio de técnicas que permitem persuadir/seduzir o auditório
. Visa exercer poder sobre o auditório através do discurso racional/emocional
. Utiliza uma linguagem natural (ex. Português), tirando partido de palavras e expressões equívocas
. Coloca-nos no domínio do verosímil – o que pode ser verdadeiro – ou do preferível – o que é, provavelmente, o melhor
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(in Pensar Azul, Texto Editores, pg. 91)
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