A Filosofia surgiu no séc. VI a.c. quando os gregos se aperceberam da multiciplicidade de explicações mitológicas, às vezes em desacordo, àcerca das mesmas questões - a origem do universo, a constituição do mesmo, a sua finalidade...-. Ou seja, quando surgiu a seguinte questão: como é que podem existir respostas tão distintas àcerca de questões universais? A solução, pensavam eles, passava por encontrar outro tipo de resposta. Uma resposta assente numa faculdade igualmente universal - a razão - e não nas culturas tão distintas que então por ali se cruzavam em virtude das trocas comerciais. Quer isto dizer, ao contrário do que alguns sugerem com a expressão milagre grego, que a Filosofia nem surgiu do nada nem de repente. Mas de uma série de condições - económicas, culturais, políticas...- que tornaram a Grécia Antiga o lugar ideal para que os mitos, pouco a pouco e a respeito das questões não religiosas, cedessem lugar às explicações lógicas, isto é, assentes no discurso, no logos.
Uma dessas condições, talvez a mais importante, foi o surgimento da democracia. Tal como o nome indica - demo significa povo, cracia significa poder -, a administração do poder estava nas mãos dos cidadãos. Claro que a noção de cidadão da altura não coincide com a noção de hoje em dia: mulheres, escravos e estrangeiros estavam excluídos de qualquer participação. Ainda assim, tal como ainda acontece hoje, o poder era discutido nas assembleias, onde os cidadãos livres defendiam os seus pontos de vista e tomava decisões com reflexo na vida de todos. Um contexto, portanto, que favorece a reflexão e a discussão de ideias. Numa palavra, a Filosofia.
A verdade, porém, é que os cidadãos não estavam preparados para semelhante tarefa. A reflexão e o poder da palavra não eram o seu forte. Tinham ideias, pois claro, mas não dominavam a técnica necessária para defendê-las de modo a convencer quem os ouvia a adoptá-las. E é aí que surgem os sofistas - sophos, sábios -, mestres no uso da palavra e na construção de argumentos convincentes, o mesmo é dizer mestres em retórica. Estes profissionais, embora criticados pelos filósofos - philosophos, amigos do saber -, foram muito úteis à consolidação da democracia, preparando os jovens para discursar perante uma assembleia em defesa de qualquer ideia. São, por isso, os precursores dos políticos tal como os conhecemos hoje, desenvolvendo discursos em função da ocasião e dos resultados que pretendem obter, mais preocupados com a eficácia - obtenção de resultados com o mínimo de recursos no menor tempo possível - de que com a coerência e consistência. Numa palavra, com a verdade.
Aquilo que levava os filósofos a criticar os sofistas, além de se fazerem pagar pelo seu trabalho, era precisamente esta dependência dos resultados. Isto é, o que interessava aos sofistas não era a busca do saber desinteressado, a verdade para lá das situações particulares, o mundo inteligível como lhe chamou Platão, mas a construção de opiniões fortes que se impusessem como as melhores perante os problemas que interessaria solucionar. Daí que os sofistas fossem considerados relativistas, isto é, capazes de argumentar em sentidos distintos, às vezes contraditórios, consoante aquilo que era preciso defender: hoje isto e assim, amanhã aquilo e de outro modo, logo que fossem convincentes e permitessem obter os resultados desejados. Platão, por sua vez, o maior crítico dos sofistas, logo da retórica, preferia falar em dialética: arte de discutir que permitiria abandonar progressivamente o mundo sensível, que varia como as opiniões, até alcançar o mundo das ideias, universais e imunes à mudança.
Hoje em dia, sobretudo a partir de meados do séc. xx e graças a Chaim Perelman, que introduziu a expressão Nova Retórica, a retórica deixou de ser vista de modo pejorativo. Continua a ser sinónimo de eloquência, tal como no início, mas é sobretudo sinónimo de boa argumentação. A relativização das explicações científicas, isto é, a crise do conceito clássico de racionalidade, o aperfeiçoamento da democracia e o reconhecimento da igualdade entre todos os cidadãos, assim como o surgimento e consolidação do poder exercido pelos meios de comunicação, que "vigiam" as instituições, também contribuiram para a reabilitação da retórica.
Para aprofundar os conhecimentos àcerca do eixo Filosofia-Retórica-Democracia deves ler o teu manual e colocar todas as dúvidas nas aulas sobre o tema, onde ainda teremos oportunidade de falar mais detalhadamente sobre alguns sofistas e da conceção platónica do saber. Para já deixo-te o texto que se segue, lê-o e relaciona-o com o que acabas de aprender:
É numa sociedade democrática e pacífica que são maiores as probabilidades de se assistir ao desenvolvimento de um grande interesse pela argumentação. (...) A argumentação não decorre de uma verdade imposta, mas de uma convicção a estabelecer. Aliás, é mais uma questão de consenso do que certeza. Do mesmo modo, a argumentação não pode exercer-se num sistema ditatorial ou totalitário; de resto, ela só faz plenamente sentido numa sociedade igualitária ou, pelo menos, pluralista, em que as decisões são tomadas coletivamente. De igual modo, a argumentação exige a renúncia à força, à violência, ao confronto bélico. É certo que só há argumentação quando há desacordo, mas ela impõe uma resolução do desentendimento por meio da discussão, do debate discursivo, em vez do confronto bélico. (P. Breton, G. Gautier)
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