segunda-feira, 6 de abril de 2020

. Filosofia da Religião 3: Fideísmo ou a fém sem provas



Como tinha ficado sugerido no final da publicação anterior, há filósofos que consideram a razão e a fé processos incompatíveis. Para esses autores, a fé religiosa vai buscar a sua força, precisamente, ao facto de não haver boas razões para justificar a existência daquilo em que se acredita. Quanto mais ultrapassar as possibilidades da compreensão humana, maior a "dose" de fé que Deus inspira nos crentes - a fé começa onde a razão acaba -. Ter fé seria isso mesmo, crer naquilo que ultrapassa o poder de aceitação da razão, aceitarmos a existência de Deus assumindo a nossa incapacidade de a demonstrar - para quê ter fé em algo que existe ou se provou que existe? -. Acreditar será sempre, por isso, de acordo com Kierkegaard, um dos mais importantes fideístas, um risco vivido intimamente e uma fonte de angústia permanente. O risco e a angústia, continua esse filósofo, resultantes do facto de não ser possível provar nem o Absoluto nem o dogma paradoxal em que a sua fé cristã assenta como um edifício nos seus alicerces: Deus, o Eterno, mesmo sendo omnipotente, encarnou e assumiu a forma humana, sacrificando-se por cada um de nós. Difícil de acreditar, não é? Pois é, mas é exatamente por isso que a fé é uma experiêncial especial, única e dificilmente ao alcance de toda a gente.
Outra forma de colocar a questão da fé, menos "misteriosa" que a de Kierkegaard, foi a encontrada por Pascal, um filósofo e matemático francês contemporâneo de Descartes durante grande parte da sua vida (1623-1662). A sua proposta ficou conhecida por "aposta de Pascal" e pode ser resumida da maneira que se segue: aceitando que não há boas provas da existência de Deus, assim como não há boas provas da sua inexistência - esse é o grande problema dos ateus - o que será melhor fazer? Acreditar ou não acreditar?
Para Pascal parece não restarem dúvidas, é preferível acreditar. Senão vejamos:
1. Se Deus existir e formos crentes temos tudo a ganhar, a vida eterna, por exemplo. Ao passo que se formos crentes e Deus não existir não perdemos grande coisa, quando muito umas horas de oração e penitência em vão.
2. Se não acreditarmos e Deus realmente não existir não ganhamos nada de importante, mas temos tudo a perder se não acreditarmos e Deus afinal existir.
Logo, conclui o probabilista, o mais razoável a fazer é acreditarmos em Deus.


Aparentemente irresistível, o "argumento" de Pascal não está isento de críticas. Deixo-te algumas de seguida:

. Pascal parte do princípio que se Deus existir e não formos crentes, temos tudo a perder. Mas como sabe Pascal que isso á verdadeiro? Afinal Deus é sumamente bom, e não vingativo, pelo que não há boas razões para acreditar que irá castigar boas pessoas que não têm a sorte de acredita em Si. Assim sendo, é falso que temos tudo a perder se não acreditarmos em Deus.
. Ninguém decide acreditar em algo assim de um momento para o outro. Normalmente, as nossas crenças são causadas por outras crenças, sendo que todas dependem da nossa experiência do mundo. Se nascermos numa família de crentes, muito provavelmente vamos tornar-nos crentes à semelhança daqueles com quem sempre convivemos, ou talvez não. Da mesma forma que se nascermos numa família de ateus dificilmente viremos a colocar a hipótese de um ser divino e transcendente. Seja como for, ninguém passa a creditar em Deus de um dia para o outro sem uma razão suficientemente forte.
. Finalmente, mas não menos importante, não podemos deixar de considerar a aposta de Pascal um exercício interesseiro e conveniente para gente que não é convicatemente responsável. Uma vez que é mais razoável pensarmos que Deus prefere pessoas dignas, mesmo que não acreditem nele, a pessoas que só fazem o bem por temerem o Inferno.

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