sexta-feira, 3 de abril de 2020

. Provas da Existência de Deus 1: o argumento teleológico ou do desígnio



O argumento teleológico, também conhecido por argumento do desígnio, foi formulado por William Paley, um filósofo e teólogo britânico ordenado padre da Igreja Anglicana em 1767, naquela que é a mais conhecida das suas obras: Teologia Natural - ou Provas da Existência e Atributos da Divindade Recolhidos em Aspetos da Natureza.
Tal como o nome da obra indica, o teólogo oitocentista baseia a sua prova na observação e explicação do funcionamento da natureza. Concluindo, depois de comparar o funcionameno interno da natureza ao de um relógio, que foi necessariamente criado por um artífice inteligente, o relojoeiro, que também na natureza nada acontece por acaso, isto é, que todos os seres vivos e a natureza em geral têm um propósito e uma finalidade conferidos pelo seu criador - Deus, o sumo artífice -. Trata-se, portanto, de um argumento não dedutivo por analogia em que se comparam duas realidades diferentes, embora semelhantes em alguns aspetos, para mostrar como são igualmente semelhantes em aspetos menos evidentes à partida. Se respeita, ou não, os critérios de um bom argumento por analogia - as semelhanças de que parte devem ser relevantes e as diferenças entre as duas realidades não deverão ser mais importantes que essas semelhanças - é o que veremos. Para já, formulemos o argumento na sua forma canónica:

Premissa 1: Os relógios exibem uma estrutura complexa e perfeita que só pode ter sido obra de um ser inteligente, o artífice.
Premissa 2: Tal como os relógios, também os seres vivos e a natureza em geral exibem uma estrutura complexa cujas partes se ajustam de modo perfeito.
Conclusão: Logo, tal como os relógios, também os seres vivos e a natureza têm de ser obra de um criador inteligente, que é Deus.

Concentremo-nos na segunda premissa, em que a analogia é estabelecida, e vejamos se se trata, então, de um bom argumento. Será a natureza realmente comparável a um relógio, isto é, para recuperarmos os requisitos formais de uma boa analogia, será que as semelhanças estabelecidas são verdadeiramente relevantes? Ou seja, para recuperarmos o segundo requisito, será que a natureza é realmente harmoniosa e bem organizada? Mais, ainda de acordo com o segundo requisito, não serão as diferenças entre um relógio e a natureza mais relevantes do que as semelhanças que podemos estabelecer entre essas duas realidades?
Em relação à primeira questão, a resposta é negativa. De facto, as semelhanças entre as duas realidades - relógio e natureza - não são verdadeiramente relevantes, pelo que não justificam a comparação. No que diz respeito aos artefactos em geral e aos relógios em particular, parece não existirem dúvidas, já vimos vários e todos exibem uma estrutura que só pode ter sido criada por um artífice. Em relação à natureza e ao universo, porém, não podemos estar seguros do mesmo, uma vez que só conhecemos uma natureza e um universo. Não podendo, portanto, concluir nada em relação à sua complexidade e perfeição. 
Além disso, mais importante ainda, de acordo com a evidência científica, são processos exclusivamente naturais e a intervenção do acaso, ao longo de um lento processo de adaptação e ajustes sucessivos, que dão origem à ordem. É essa, aliás, a base da teoria evolucionista de Charles Darwin (1809-1882), segundo a qual o acaso - o cruzamento imprevisível de duas cadeias causais - é muitas vezes responsável pela ordem. O que nos leva a concluir, agora relativamente à segunda questão, que o número de diferenças entre as duas realidades - relógio e natureza - são muito mais relevantes do que as semelhanças que estão na origem do argumento. O mesmo é dizer, para falarmos das falácias que já estudaste, a analogia em que o argumento se baseia é, numa palavra, fraca. 

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