sábado, 4 de abril de 2020

. Provas da existência de Deus 2: o argumento cosmológico



O argumento cosmológico procura provar a existência de Deus partindo dos dados da observação empírica, tentando responder a duas perguntas muito concretas que muito provavelmente já fizeste a ti mesmo: qual a origem do mundo, do cosmos, e por que há mundo e não o nada? É, portanto, um argumento a posteriori.
Embora se trate de um argumento com defensores desde logo na antiguidade, Platão e Aristóteles, e com várias versões já na modernidade, as de Descartes e Locke, por exemplo, a versão mais famosa é a de São Tomás de Aquino, um Doutor da Igreja que viveu entre 1225 e 1274.
São Tomás de Aquino nasceu em Itália, numa família aristocrática, estudou em Colónia, onde contacta pela primeira vez com a filosofia de Aristóteles, que viria a influenciar o seu pensamento, acabando por se tornar professor em Paris e em Roma, onde também foi conselheiro da corte papal. A sua obra capital chama-se Summa Theologica e inclui as famosas "Cinco Vias" para provar a existência de Deus. A prova que por ora nos interessa explorar, baseada na ideia de causa, encontra-se na Segunda Via e é conhecida por argumento da causa primeira. Vejamos, então, como é formulado esse argumento:
  1. Não há nada neste mundo que não tenha uma causa (tudo tem uma causa).
  2. Nenhuma coisa é causa de si mesma (causa sui).
  3. Tudo o que é causado é causado por outra coisa, por algo diferente de si.
  4. Não pode haver uma regressão infinita (ad infinitum) na cadeia das causas.
  5. Se não pode haver uma regressão infinita na cadeia das causas, então terá de existir uma causa primeira, incausada e que tudo causa.
  6. Essa causa primeira é Deus.
  7. Logo, Deus existe (necessariamente).
Como podes verificar, o argumento parte de uma ideia consensual, a ideia de que tudo na natureza tem uma causa. Isto é, que tudo é consequência ou efeito de uma causa anterior ou precedente. Uma premissa verdadeira, portanto, que em princípio garantirá a solidez do argumento. Ou seja, se tudo tem uma causa e essa causa, por sua vez, também terá necessariamente uma causa, terá de haver uma primeira causa para tudo. Caso contrário, tal como estudaste a propósito do argumento cético, entraríamos numa regressão infinita, isto é, numa busca incessante por uma causa original. A resposta à primeira pergunta de que partíamos - qual a origem do mundo? - está, portanto, encontrada: Deus é a origem de todas as coisas. 
Ora, mas se tudo tem uma causas e nada é causa sui, de acordo com as primeiras premissas do argumento, por que razão ficaria Deus isento desta condição? Dito de outro modo, se tudo tem uma causa, não terá Deus que ter uma causa também? Se não for esse o caso, isto é, se Deus é incausado, a conclusão contradiz as premissas, pelo que o argumento deve ser considerado autocontraditório. A não ser que Deus não estivesse sujeito às leis que governam a natureza, segundo as quais tudo é efeito de uma causa. Mas se é assim, isto é, se Deus não está sujeito às leis naturais de que é a causa, como se explica que esteja na sua origem? É esse, aliás, o sentido da crítica que Kant virá a fazer ao argumento cosmológico: como explicar que uma entidade metafísica gere e determine as leis da física? Mais, agora de novo em relação ao caráter autocontraditório do argumento, por que razão devemos pensar que Deus é causa de si mesmo e não o próprio universo? Que nos impede de pensar que o universo se gerou a si mesmo num determinado momento - o Big Bang, por exemplo - ou até que existiu desde sempre? Fica a questão...
Em relação à segunda pergunta - por que existe o mundo e não o nada? - devemos procurar resposta numa segunda versão do argumento, uma versão apresentada por Leibniz (1646-1716), um filósofo alemão influenciado por Descartes e Locke, a que se dá o nome de argumento da sequência das causas e cuja formulação simplificada deixo de seguida:
  1. Ou a sequência de seres para no Big Bang ou continua para sempre.
  2. Se para no Big Bang, temos de supor que foi Deus quem o criou (o Big Bang).
  3. Se não para no Big Bang, temos de supor que foi Deus quem criou essa sequência infinita.
  4. Logo, em qualquer dos casos, Deus existe.
Uma versão, à semelhança da primeira, também ela alvo de objeções:

1ª objeção - Por que razão temos de supor, de acordo com a segunda premissa, que se a sequência de seres para no Big Bang foi Deus quem o originou? O Big Bang pode ter surgido do nada, ou talvez seja um acontecimento necessário, isto é, algo que não poderia ter deixado de acontecer. Logo, a premissa é pelo menos duvidosa.

2ª objeção -  Por que razão temos de supor, de acordo com a terceira premissa, que se a sequência de seres não para no Big Bang, isto é, se é infinita, foi Deus quem a causou? Não existirão outras maneiras de a justificar? Por que não supor que a sequência é eterna e que não podia deixar de acontecer? Por que não supor que surgiu do nada? Ou seja, tal como a segunda, a terceira premissa é no mínimo duvidosa.

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