Perguntar "o que é?" significa definir aquilo sobre o que fazemos a pergunta. Definir, por sua vez, significa isolar as propriedades comuns, e só essas, a todos os exemplares daquilo que queremos definir. Por exemplo: se quisermos definir o "quadrado", não devemos referir as características físicas deste ou daquele quadrado - a cor, o tamanho, o material de que é feito...-, uma vez que variarão de caso para caso, mas aquilo que é comum a todos os quadrados, os que existem e os que poderão vir a existir. Ou seja, devemos dizer que um quadrado é uma figura geométrica com quatro lados iguais cujas diagonais se cruzam rigorosamente ao centro, algo que verificaremos sempre na presença de um quadrado independentemente das diferenças físicas. Numa palavra, devo isolar as invariáveis.
Em Filosofia, as invariáveis, ou propriedades comuns a todos os casos particulares daquilo que queremos definir, chamam-se propriedades/condições necessárias e suficientes. Necessárias, porque temos que referi-las para saber de que estamos a falar, isto é, não pode deixar de ser assim. Suficientes, porque basta referir essas propriedades para identificar a realidade em questão, isto é, não é preciso mais nada senão isso mesmo.
Perguntemos agora "o que é o conhecimento?" e vejamos quais são as condições necessárias e suficientes para podermos afirmar que conhecemos.
Conhecimento e crença
A primeira condição para que possamos falar em conhecimento é a existência de uma crença. Isto é, conhecer implica acreditar naquilo que afirmamos conhecer, sob o risco de cairmos em contradição. Repara, no entanto, que crença não significa fé, no sentido de crença religiosa, mas convicção. Ora, isto quer dizer que acreditar - a crença - é uma condição necessária para podermos falar em conhecimento. Como, por exemplo, viver em Portugal é uma condição necessária para viver em Lisboa, porque todas as pessoas que vivem em Lisboa vivem em Portugal. Mas será que podemos afirmar que a existência de uma crença é uma condição suficiente para haver conhecimento? Da mesma forma que viver em Portugal é condição suficiente para viver na Europa? A resposta é não. Uma vez que eu posso acreditar em falsidades. Ou seja, para conhecer tenho que acreditar, mas não basta acreditar para saber. Dito de outro modo, a crença é uma condição necessária do conhecimento, mas não é suficiente.
Conhecimento e verdade
Nenhuma crença falsa é conhecimento. Não basta pensar que a Rita está na escola para que a proposição "A Rita está na escola" seja verdadeira. É necessário que a Rita esteja lá efectivamente e que isso possa ser constatado, isto é, que possa ser verificado. Isto quer dizer que o conhecimento é factivo, não podemos conhecer falsidades (ainda que possamos acreditar nelas). Sem verdade, portanto, não há conhecimento, e o critério de verdade é a factividade. Repara, no entanto, que afirmar que não podemos conhecer falsidades não significa que não possamos identificá-las. Afirmar "A Inês sabe que é falso que Lisboa é a capital do Brasil" é muito diferente de afirmar "A Inês sabe que Lisboa é a capital do Brasil". Ou seja, a verdade é uma condição necessária do conhecimento. Isto é, a crença tem de ser verdadeira - no tempo de Ptolomeu, as pessoas pensavam que a Terra estava imóvel no centro do universo, mas não sabiam tal coisa, pois não podiam... -. Mas será isso suficiente? A resposta, mais uma vez, é negativa. A verdade é uma condição necessária do conhecimento, mas não é uma condição suficiente. Quando a professora de Matemática pergunta ao Tomás "qual a raiz quadrada de quatro ?" e este lhe responde "dois", porque acha ou está convencido que é dois, o Tomás não revela conhecimento. Do facto de o "feeling" do Tomás se ter revelado certeiro não se segue que ele sabia a resposta. Crenças que se revelam verdadeiras por acaso não são conhecimento, é necessário que consigamos justificá-las.
Crença e justificação
Platão foi o primeiro a distinguir a crença do conhecimento, num diálogo chamado Teeteto, àcerca do conhecimento científico, que segundo o filósofo tanto se distingue da mera opinião como daquilo que chama opinião verdadeira. Ou seja, além de ser verdadeira, a crença deve ser justificada, ser acompanhada por um logos, sem o que não podemos falar em conhecimento. Mas o que significa isso? Em que consiste justificar uma crença verdadeira? Vejamos a o seguinte exemplo:
O Pedro acredita que vai passar de ano e a sua crença torna-se verdadeira. O pedro passa efectivamente de ano. Mas isso não significa que o Pedro sabia que ia passar de ano. Se à sua crença verdadeira juntarmos uma série de razões que o levaram a acreditar nisso - porque estudou, porque se interessa e coloca dúvidas, porque tem boas notas nos testes... -, aí sim, podemos falar de conhecimento.
Por outras palavras, e para recuperarmos a nossa estratégia inicial, a justificação é uma condição necessária para o conhecimento. Mas será isso suficiente? Basta justificarmos as nossas crenças para que constituam conhecimento? É a justificação uma condição suficiente? Aqui a resposta é igualmente negativa. Ptolomeu tinha uma boa justificação para acreditar que a Terra estava parada no centro do universo, mas não sabia (porque não podia...) que a Terra estava parada no centro do universo. Existem diferentes estados cognitivos, estejamos a falar de pessoas - as justificações das crianças são diferentes das justificações de um adulto letrado... - ou de civilizações - no estado cognitivo em que se encontrava Ptolomeu havia boas razões para acreditar na teoria geocêntrica -, mas os estados cognitivos não são perfeitos. As pessoas podem ter justificações para acreditar em falsidades. Os europeus, por exemplo, antes de saberem da existência da Austrália, tinham uma boa justificação para acreditar que todos os cisnes seriam brancos. Até lá terem ido e visto cisnes pretos. Logo, podemos ter crenças justificadas sem ter conhecimento. Melhor: a crença justificada não é uma condição suficiente para o conhecimento.
Em relação à justificação propriamente dita devemos assinalar três modalidades:
1) Justificação por correspondência. Trata-se da posição de Aristóteles, para quem uma crença é verdadeira quando existe uma adequação entre o que dizemos, as nossas proposições, e a realidade a que o nosso discurso se refere. É um critério de fácil aplicação, sobretudo se estivermos a falar de realidades empíricas, isto é, verificáveis através da experiência. Ex: a proposição "A neve é branca" é verdadeira porque posso verificá-lo empiricamente, posso pegar num pedaço de neve e constatá-lo.
2) Justificação por coerência. Trata-se de um critério utilizado quando não podemos verificar diretamente a verdade de uma proposição. Neste caso, parte-se de determinadas evidências que, conjugadas com outras evidências, permitem extrair uma conclusão que oferece alguma segurança. Trata-se de um raciocínio dedutivo, válido logicamente, aquele que já estudaste e te permite extrair conclusões verdadeiras a partir de premissas igualmente verdadeiras. É assim, por exemplo, que a ciência evolui. Extraindo conclusões a partir de verdades entretanto estabelecidas, umas também pelo método da coerência, outras pelo da correspondência, como quase sempre acontece nas premissas. Como é assim, para dar outro exemplo, que funcionam os investigadores criminais: embora ninguém tivesse visto a Madalena a dar a estocada final no Frederico, os vizinhos ouviram-nos a gritar momentos antes, assim como viram a Madalena abandonando a casa à pressa e aparentemente desorientada, além de que não havia vestígios da presença de outras pessoas no interior da casa...logo, a Madalena é responsável pelo crime ali ocorrido.
3) Justificação pela prática. Neste caso a verdade de uma proposição é estabelecida pelos resultados que a sua aceitação permite obter, isto é, em função das consequências. É um critério usado, não para testar factos, mas hipóteses. Por exemplo: se verificarmos que os jovens são mais produtivos quando submetidos a situações de disciplina rigorosa, sobretudo mais responsáveis, então devemos poder concluir que "a disciplina conduz à produtividade e à responsabilidade".
Conclusão:
Isoladas, as três condições, são necessárias, mas não são suficientes. Juntas, no entanto, permitem obter a definição de conhecimento que procurávamos. Mas só nesse caso, isto é, só e somente se estiverem reunidas as três condições. Daí que possamos terminar afirmando que S sabe ou conhece P se e somente se S acredita que P, P é verdadeira e há uma justificação para S acreditar que P. Se esta é, ou não, uma boa definição, é o que veremos de seguida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário