quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

. As falácias na publicidade e não só...


Nem todos os artigos publicitários têm a mesma qualidade. Os maus profissionais, como já vimos a propósito do argumento de autoridade, recorrem muitas vezes a falácias. A ideia é convencer-nos no menor tempo possível - tempo é dinheiro, sobretudo em televisão - a comprar o produto que apresentam. Numa palavra, o que importa é ser eficaz. Mesmo que para isso tenham que passar um atestado de ignorância aos potenciais consumidores, apelando aos seus impulsos mais primitivos. O mesmo se passa com os chamados "cabeças falantes", os fazedores de opinião empenhados empenhados em adormecer o nosso espírito crítico. Pois é... não deixes que te substituam, ainda que às vezes seja mais cómodo seguir a posição dos outros, segue a máxima de Kant - sapere aude -, um filósofo que estudaremos ainda este ano, e ousa pensar por ti próprio. Para que estejas prevenido e exercites a autonomia de pensamento, nada melhor que estudar e saber identificar as falácias. As que já trabalhámos e as que sucintamente deixo de seguida:
1. Apelo ao povo ou ad populum - quando se defende uma posição porque uma parte representativa do povo, a maioria, também defende. Ex: se quase todos os jovens usam calças a cair pelo rabo abaixo, eu também uso. É moda. Poie é.... e se a maioria estiver errada?
2. Apelo à força ou ad baculum - quando se tenta convencer uma pessoa alertando para as consequências desagradáveis que poderão resultar se defender uma posição diferente. Não te soa a chantagem? Pois é... Ex: Se queres manter o emprego, é melhor que concordes com o que o patrão diz.
3. Apelo à misericórdia ou ad misericordiam - quando se tenta passar uma mensagem apelando à piedade de quem ouve ou lê. Ex: Sr. Guarda, bem sei que vinha em excesso de velocidade. Mas se perder a carta fico sem emprego - sou motorista - e se não trabalho não posso alimentar os meus filhos. Pois é... e que tal pensar nas consequências antes de agir precipitadamente?
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. FI6: Homem de palha ou espantalho


À semelhança do que se passa no treino militar e em tempos mais remotos na preparação dos duelos de capa e espada em que se usava um boneco de palha, esta falácia consiste em distorcer o ponto de vista do opositor para melhor o atacar - o ponto de vista distorcido não é o verdadeiro ponto de vista, da mesma maneira que o homem de palha não é o verdadeiro adversário -. Distorce-se o ponto de vista, isto é, faz-se uma caricatura da posição apresentada - um espantalho -, e conclui-se que o primeiro é igualmente inaceitável. Trata-se, mais uma vez, de uma falácia muito comum em debates políticos: simplifica-se a ideia do opositor, extraindo uma frase do contexto, por exemplo, para refutar de seguida o adversário. Do ponto de vista da retórica, pode ser uma falácia muito eficaz, basta que o auditório não se aperceba da diferença entre o argumento real e o argumento distorcido. Vejamos alguns exemplos:
As pessoas que defenderam a despenalização do aborto não acreditam numa prevenção responsável da gravidez. Mas nós queremos uma sexualidade responsável. Logo, o aborto nunca deveria ter sido despenalizado.
O que os defensores da eutanásia querem é muito claro. Querem matar as pessoas que estão muito doentes. Oponho-me, portanto, à eutanásia.

Observação: recorrer ao homem de palha não é uma boa estratégia. Não devemos fazer com que o nosso argumento seja bom à custa de caricaturar o ponto de vista oposto. Geralmente, as pessoas têm razões sérias e sinceras para defenderem a sua posição. É necessário compreender o ponto de vista delas, mesmo que pareçam completamente erradas. Uma pessoa que se opõe ao uso de uma nova tecnologia, por exemplo, não é necessariamente a favor de um "regresso às cavernas". Da mesma forma, para regressarmos aos nossos exemplos, que nem todos os defensores da despenalização da interrupção voluntária da gravidez defendiam uma sexualidade irresponsável, nem os defensores da eutanásia promovem a ideia de um extermínio geral dos doentes. Os primeiros, por exemplo, falavam nos direitos da mulher sobre o seu próprio corpo. Os segundos, de uma morte assistida e apenas nos casos de doentes crónicos sem recuperação. Argumentos discutíveis, sem dúvida, mas sérios e a ter em atenção. Sobretudo se se tratar de eutanásia voluntária, para falarmos do último exemplo, em que é o próprio doente que manifesta a vontade de pôr termo a uma vida insuportável. Tal como aconteceu com Ramon Sampedro, um caso que dividiu a Espanha retratado em Mar Adentro, um filme de Alejandro Amenábar com a brilhante interpretação de Javier Bardem. 

. FI5: Derrapagem - bola de neve ou declive ardiloso - (ad consequentiam)


Neste caso, tal como o nome indica, derrapamos de premissa improvável em premissa improvável até cairmos numa conclusão mais improvável ainda. Trata-se de uma falácia que ocorre em argumentos formalmente válidos cujo objetivo é provar que P é inaceitável porque P permite extrair consequências igualmente inaceitáveis. Dito de outro modo: defende-se que se um determinado acontecimento occorrer outros perigosos lhe sucedem e assim sucessivamente, como se de uma bola de neve se tratasse. Tal como acontece no exemplo que se segue:
A comissão de finalistas pediu à direção da escola uma sala para reunir. Se a direção da escola lhes fizer a vontade, em breve pediriam um salão de jogos, depois um bar e, em seguida, um salão para fazer rave partys. Isso levaria a escola à bancarrota e transformá-la-is num centro de diversão. Logo, a direção não deve ceder a sala.
Trata-se de um argumento falacioso muitas vezes utilizados para discutir questões mais polémicas, como a pena de morte, a eutanásia, a legalização das drogas leves, a adoção por parte de casais homossexuais... : Se permitirmos que aconteça X, qualquer dia acontecerá Y. E isso não é bom.
Para denunciar a falácia e combater um argumento deste tipo, basta identificar a ideia que está a ser atacada - X - , o evento final - Y -, e mostrar que este não é uma consequência necessária daquela. Voltemos ao nosso exemplo:
Ceder uma sala para que a comissão de finalistas reúna não é dispendioso - basta que a reunião seja feita de dia e se abram as janelas para que a luz natural entre - nem é condição para que se crie um centro de diversão. Da mesma forma que a abolição da pena de morte não significa maior número de crimes violentos nem a legalização da eutanásia uma boa oportunidade para os médicos sem escrúpulos...

domingo, 9 de dezembro de 2012

. FI4: Argumento contra o homem (ad hominem)


É muito simples compreender por que se chama ad hominem a esta falácia. Tal como o nome indica, volta-se contra o homem e não contra os argumentos propriamente ditos. Por exemplo, quando tento desacreditar uma pessoa moralmente em vez de mostrar que os seus argumentos não são bons independentemente de quem os defende. É uma situação muito comum na política, em vez de se apresentar um argumento melhor do que o do opositor, de atacar as suas ideias, ataca-se a sua personalidade. Trata-se, portanto, para recuperares conceitos que já conheces, de um argumento mais centrado no ethos do que no logos:
X afirma P.
X tem uma característica reprovável
Logo, o que X diz não é verdade
Como no exemplo que se segue:
João afirma que viu Pedro a cometer um crime.
Mas toda a gente sabe que o João já esteve preso.
Logo, o que o João afirma não é verdade.
Ora, está bom de ver que o facto de o João ter estado preso nada tem a ver com o facto de mentir e de efetivamente ter assistido a um crime.

Quando o argumento ad hominem consiste em denunciar  especificamente a hipocrisia do opositor, diz-que se trata de um argumento tu quoque - tu também -, ou apelo à hipocrisia. Nestes casos, o ataque consiste em fazer lembrar que o opositor tem uma conduta que não corresponde às ideias que defende. Como no exemplo que se segue:
Defendes que devemos ser vegetarianos por razões ambientais. Mas continuas a andar de carro e a usar sacos de plástico.
É fácil perceber que não basta ser vegetariano para resolver os problemas do planeta. Mas isso não significa que ser vegetariano não traga vantagens para o planeta. Na verdade, para algumas pessoas, trata-se de uma grande ajuda.
Visto inversamente, trata-se de um argumento usado em muitas ocasiões para justificar os nossos próprios erros: se x faz um erro e se y também, porque não posso eu cometê-lo? Neste caso, justificamos os nossos erros com os erros dos outros.

. FI3: Apelo à ignorância (ad ignorantiam)


Apelamos à ignorância quando defendemos que uma proposição é verdadeira pelo simples facto de não estar provado que é falsa, e vice-versa. Isto é, quando confundimos inexistência de prova com prova de inexistência. Por exemplo: não devemos defender que deus não existe só porque não podemos provar a sua existência. O facto de não existir uma boa prova da sua existência não significa que isso não venha a ser possível. E o contrário também: não podemos dizer que existe pelo simples facto de não conseguirmos provar a sua inexistência. Em termos gerais, não devemos tentar defender que algo é inexplicável só porque não existe (ainda) explicação. Caso contrário, caímos na falácia do apelo à ignorância. Como no exemplo que se segue:
Nunca ninguém provou que há extraterrestres.
Logo, não há extraterrestres.

. FI2: Falso dilema


A falácia do falso dilema consiste em em reduzir as opções possíveis apenas a duas, muitas vezes claramente opostas, quando existem outras possibilidades. Trata-se, portanto, de um argumento dedutivamente válido, mas desonesto. Como acontece nos exemplos que se seguem:
1.
As verdades são relativas ou absolutas.
É falso que são absolutas.
Logo, são relativas.
Falácia: além de serem relativas ou absolutas, há outras possibilidades. Talvez algumas verdades sejam relativas e outras não.
2.
É pegar ou largar.
Falácia: antes de pegar ou largar é possível discutir as condições do negócio em questão.
3.
Uma vez que o universo não pode ter surgido do nada, teve de ser criado por uma força inteligente.
Falácia: existem outras possibilidades àcerca da criação do universo.

. FI1:Petição de princípio (petitio principii) ou raciocínio circular


A falácia da petição de princípio acontece quando admitimos nas premissas aquilo que pretendemos concluir. Isto é, quando usamos implicitamente a conclusão como premissa. Tal como acontece no exemplo que se segue: Deus existe porque é a Bíblia que o afirma e eu sei que isso é verdade porque foi Deus, afinal, quem a escreveu.
Reescrevamos o argumento segundo a forma premissa-conclusão e vejamos o que acontece:
A Bíblia é verdadeira porque Deus a escreveu.
A Bíblia diz que Deus existe.
Logo, Deus existe.
Para defender a afirmação de que a Bíblia é verdadeira, afirma-se que Deus a escreveu. Mas, como é óbvio, se Deus escreveu a Bíblia, então existe. Logo, o argumento assume/supõe precisamente o que se pretende provar.
Em termos gerais, este tipo de argumentos é sempre mau, embora dedutivamente válido, uma vez que a premissa nunca é mais plausível do que a conclusão.

. Falácias formais e informais




As falácias formais são erros de raciocínio que resultam exclusivamente da sua forma lógica, isto é, da sua estrutura interna. Tal como acontece nos casos que já estudaste a propósito da lógica aristotélica, quando as regras da extensão dos termos não são cumpridas ou observadas - falácia do termo médio não distribuído, da ilícita maior e da ilícita menor -. As falácias informais, por sua vez, são erros de raciocínio que não resultam exclusivamente da forma lógica, mas do conteúdo. Isto é, da sua relação com a realidade e com o contexto em que se inserem. Tal como acontece nos exemplos que estudaremos de seguida.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

. Argumentos não dedutivos: argumento de autoridade - magister dixit -


Muitas vezes socorremo-nos das ideias de outras pessoas para fazer novas descobertas e para descobrirmos o que não podemos descobrir sozinhos. Quando não temos tempo para ver todos os filmes em cartaz, por exemplo, é normal que consultemos a opinião dos críticos de cinema antes de tomarmos uma decisão. Quando se trata de obter informações relativas a um passado longínquo, ou em relação a qualquer realidade a que não temos acesso direto, fazemos o mesmo: confiamos na palavra de quem sabe sobre o assunto e reproduzimo-la como se fosse nossa. Nestes casos, somos obrigados a argumentar desta forma genérica:
X (uma pessoa ou organização que tem obrigação de saber) diz Y.
Logo, Y é verdade.
Aos argumentos que exibem esta forma atribui-se o nome de argumento de autoridade ou magister dixit (o mestre disse). Por exemplo:
José Mourinho diz que o futebol requer inteligência.
Logo, o futebol requer inteligência.
Outro exemplo ainda:
A Amnistia Internacional diz que há violência policial nas esquadras portuguesas.
Logo, há violência policial nas esquadras portuguesas.

Como em todos os argumentos, porém, há que ter alguns cuidados. Às vezes é arriscado confiar na palavra de outra pessoa. Pode acontecer que essa pessoa tenha interesses escondidos. Como acontece, por exemplo, com as celebridades que dão a cara em artigos publicitários cujos produtos não foram verdadeiramente testados, por motivos meramente económicos. Ou então, quando se trata da opinião de alguém comprometido com uma determinada tendência política - as pessoas de direita e de esquerda vêem o mundo de maneira diferente -. É por isso que os argumentos de autoridade são muitas vezes falaciosos, uma vez que é difícil encontrar matérias que não gerem discussão e recolham unanimidade. Ou seja, para que um argumento de autoridade seja bom é necessário que o especialista ou especialistas invocados sejam realmente especialistas da matéria em causa e que os outros especialistas não discordem dele ou deles.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

. Argumentos não dedutivos: argumento por analogia


Os argumentos por analogia, em vez de multiplicarem exemplos que apoiem uma generalização, argumentam a partir de um caso ou exemplo específico para provarem que outro caso, semelhante ao primeiro em alguns aspetos, também é semelhante num outro aspeto determinado. Ou seja, pretende-se concluir que algo é de certo modo porque esse algo é análogo a outra coisa que é desse modo. Por exemplo:
Os professores são como os treinadores.
Os professores passam uma mensagem ao seu auditório.
Logo, os treinadores passam uma mensagem ao seu auditório.

Atenção: não confundir um argumento por analogia com a analogia propriamente dita. Uma analogia é uma semelhança entre coisas. Os argumentos por analogia baseiam-se nessas semelhanças, mas não são, eles mesmos, uma analogia. Como poderás constatar no exemplo acima, a primeira premissa é uma analogia. Tal como acontece em todos os argumentos por analogia: uma das premissas é sempre uma analogia.

Mais: para fazer um bom argumento por analogia não podemos partir de uma analogia qualquer. A analogia estabelecida nas premissas tem que ser mais plausível (mais forte) do que a hipótese colocada na conclusão. Ou seja, não devo partir da analogia entre duas coisas em que o número de diferenças entre elas é manifestamente maior do que as semelhanças. Quando isto acontece, quando as diferenças entre as duas coisas são mais importantes do que as semelhanças, diz-se que incorremos na falácia da falsa analogia. Como no exemplo que se segue:
O mundo é como uma casa.
Todas as casas têm um arquiteto.
Logo, o mundo tem um arquiteto - Deus.


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

. Argumentos não dedutivos: a indução


O termo indução é normalmente utilizado para referir dois tipos de argumentos: a generalização e a previsão.

Fazemos uma generalização quando atribuímos a todo o universo de individuos pertencentes a um determinado grupo um conjunto de propriedades observadas apenas em parte desse grupo. Tal como acontece no exemplo que se segue:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, todos os corvos são pretos
Para que uma generalização seja válida tem de obedecer a algumas regras. Por exemplo, o número de casos em que se baseia tem de ser representativo ( se o universo for de 20 indivíduos não bastará observar 2) e não pode haver contra-exemplos (basta haver um indivíduo pertencente ao universo em questão que não exiba a propriedade generalizada). Caso contrário, incorremos na falácia da generalização precipitada ou abusiva. É o que acontece, por exemplo, quando afirmamos que "os portugueses fogem aos impostos" só porque alguns portugueses fogem aos impostos.

Numa previsão as premissas baseiam-se no passado e a conclusão é um caso particular não observado. Por exemplo:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, o próximo corvo que observarmos é preto.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

. Entinema: um argumento dedutivo especial


Antes de passarmos ao estudo dos argumentos não dedutivos, convém que nos debrucemos sobre um argumento dedutivo especial: o entinema.
O entinema é um argumento dedutivo especial porque se trata de um argumento em que uma ou mais premissas não foram explicitamente apresentadas. Isto é, extrai-se a conclusão supondo uma ou mais premissas, que estão implícitas. Tal como acontece como o famoso cogito ergo sum (penso logo existo) de Descartes, que estudaremos a propósito das teorias explicativas do conhecimento. De facto, Descartes só pode concluir que existe enquanto pensa porque parte do princípio, que não refere, de que todos os seres pensantes existem:
1) Todos os seres pensantes existem (premissa omissa)
2) Eu Penso
3) Logo existo (enquanto ser pensante)

Outro exemplo:
Cavaco Silva é português
Logo, não é grego
Também neste caso temos uma premissa implícita - "Nenhum português é grego" -, logo é um entinema.

. Argumentos formais, informais, dedutivos e não dedutivos


A diferença entre os argumentos formais e informais é muito simples. Nos primeiros, que já estudaste, a validade depende exclusivamente da sua forma lógica. Nos segundos, a validade não depende exclusivamente da sua forma lógica.
A diferença fundamental entre os argumentos dedutivos e não dedutivos (que incluem a indução) é igualmente simples. Num argumento dedutivo válido é impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa. Nos argumentos não dedutivos válidos pode acontecer que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa, ainda que muito improvavelmente. Ou seja, um argumento dedutivo válido com as premissas verdadeiras garante a verdade da sua conclusão. Enquanto que um argumento não dedutivo válido com as premissas verdadeiras apenas torna provável a verdade da sua conclusão.
Todos os argumentos não dedutivos, que estudaremos de seguida, são informais. Alguns argumentos dedutivos são informais, mas outros são formais, como acontece no caso dos silogismos que já estudaste.

. O que é um argumento?


Chama-se argumentação a um encadeamento de argumentos. Mas o que é um argumento? Um argumento é um conjunto de proposições em que se pretende justificar ou defender uma delas, a conclusão, com base na outra ou nas outras, que se chamam premissas. Um argumento tanto pode ter uma premissa, como várias. Contudo, só pode ter uma conclusão.
Vejamos dois exemplos de argumentos muito simples:
1) O Sebastião foi ao teatro porque se tivesse ido à praia teria levado a toalha.
2) Só as intenções determinam o valor moral da ação. Logo, as consequências dos nossos atos são moralmente irrelevantes.
Tanto num caso como no outro, trata-se de argumentos muito curtos. Mas são argumentos porque em ambos os casos se defende uma proposição com base noutra. No primeiro caso, a conclusão é a proposição que está antes da palavra "porque"; e a premissa é a proposição que está depois. No segundo, a conclusão é a proposição que está depois da palavra "logo"; e a premissa é a proposição que está antes. Se são, ou não, bons argumentos, é uma questão que teremos oportunidade de discutir.

. Verdade e Validade


Este ano começaremos por estudar Lógica, uma disciplina de que já ouviste falar no 10º ano quando identificaste as diferentes áreas da Filosofia. Como te recordarás, aprendeste que se trata de uma disciplina cuja finalidade consiste em determinar as condições do discurso válido. Daí teres falado de alguns elementos do discurso: termo, conceito, juízo, proposição... Agora é chegado o momento de aprender por que razão é isso importante, por que razão é importante raciocinar validamente. 
Num primeiro momento, uma vez estarmos a falar de uma disciplina que estuda as condições do discurso válido, distinguiremos verdade de validade. Ou seja, a relação que existe entre o discurso e as coisas e a relação que se estabelece entre os elementos do próprio discurso. 
Um discurso é verdadeiro quando corresponde a um estado de coisas, por exemplo quando defendo que existem muitos países que não respeitam os direitos humanos. O mesmo em relação aos elementos desse discurso, as proposições por exemplo. Uma proposição é verdadeira quando descreve uma situação real. A proposição " A Amnistia Internacional tem como grande objetivo acabar com a pena de morte no mundo", por exemplo, é uma proposição verdadeira, uma vez que essa é efetivamente a grande razão de ser da Amnistia Internacional. Caso contrário, quando a correspondência não se verifica, estamos perante um caso de falsidade. O que aconteceria, por exemplo, se eu afirmasse "A Amnistia Internacional não existe". Daí que à Lógica apenas interessem as frases declarativas, isto é, que podem ser convertidas numa proposição cuja verdade ou falsidade podem ser verificadas. Concordas? Ora aí está uma frase que não tem grande interesse para a Lógica, por tratar-se de uma pergunta, mesmo que seja verdade que eu perguntei se concordavas.
Um discurso é válido, por sua vez, quando as proposições que o constituem, sejam ou não verdadeiras, são compatíveies entre si e decorrem umas das outras. Dito de outro modo, quando umas permitem concluir pelas outras. Melhor ainda, quando estão organizadas logicamente, independentemente do seu conteúdo. Como no seguinte argumento: "Todos os defensores dos direitos humanos são contra o recurso à tortura. O professor de Filosofia é defensor dos direitos humanos. Logo, o professor de filosofia é contra o recurso à tortura". Um argumento, como verificarás, facilmente convertível na forma (A→B) & (B→C) → A→C, independentemente do que A, B e C possam significar, isto é, independentemente do seu conteúdo. 
Nas primeiras aulas recordaremos os elementos básicos que estudaste no ano passado - termos, conceitos, proposições -, assim como distinguiremos frase de proposição. Depois classificaremos os diferentes tipos de proposição - simples e complexas, particulares e universais, afirmativas e negativas -. Para ver, de seguida, que tipo de relações se estabelecem emtre elas, se umas justificam as outras - antecedentes - ou se se seguem das anteriores - consequente -, como acontece com as conclusões dos argumentos. Em relação aos argumentos propriamente ditos, tipos e regras que os governam, muito haverá por dizer, sobretudo para exercitar, até ao final do primeiro período. Conto contigo!